Costumo pensar que a clínica psicanalítica tem uma função primordial: escutar o sujeito do inconsciente, montando um quebra cabeça com peças faltantes. O paciente chega ao consultório mobilizado pelo seu desejo desenfreado de se livrar dos seus sintomas, clama por ajuda e entrega toda sua vulnerabilidade nas mãos de um (des)conhecido. Mas, e os homens? Quais artifícios eles podem utilizar para falar de suas dores?
Não nascemos prontos, toda nossa capacidade de permanecermos vivos se estabelece através de uma relação de total dependência, e demandamos as nossas necessidades chorando, como por exemplo: é a partir do choro que a mãe vai decodificando sonoramente o que o bebê precisa. Recebemos, enquanto homem, uma autorização para chorar até certa idade, depois o choro deve ser engolido pois não representa o símbolo de homem forte, viril, e sempre pronto para o ataque.
Se tem uma coisa que os machos devem possuir é sua agressividade, sem falar na performance que mantemos. Nos ensinaram que o mundo é uma selva, somos animais, estamos atacando o tempo todo, disputando jogos terríveis até quando não queremos jogar. Esqueceram que não existe luta sem sofrimento, que também saímos feridos quando atacamos, que jogar o tempo todo suga as nossas energias, e SILENCIAMOS. É proibido falar. E para onde vão as dores do homem tóxico e frágil? Mediram a capacidade da força do homem pelo tamanho do seu pênis. E quer dizer que só existe homem se existir um pênis e, de preferência, ereto?
Atualmente 76% dos casos de suicídio são cometidos por homens no brasil e se você não sabe os motivos, vou te apresentar. Dói demais carregar os padrões que são impostos diariamente, e se eles estão distantes desses padrões, a sua masculinidade é totalmente questionada. Sabemos que a sexualidade é ampla, e ser homem ou mulher independe de um órgão genital. O homem ao mesmo tempo que carrega um objeto considerado poderoso, morre de medo de sua exposição. ELE é frágil.
Todo o processo de desenvolvimento favorece a criação de homens violentos, e a sociedade agem com surpresa quando se deparam com as informações no noticiário. Estão fortalecendo e conscientizando mulheres, tudo isto é extremamente válido, e os homens merecem e precisam do mesmo cuidado. Se não existir um espaço para que eles possam refletir sobre as suas práticas violentas, sobre os padrões de masculinidade tóxica, poder retirar as peças pesadas de suas armaduras, de nada adiantará. Esses mesmos homens vão continuar construindo relações abusivas pois não podem ser vulneráveis, afinal, eles nem aprenderam a perder.
Todos os dias perdermos algo, nem todas as perdas são sentidas mas a maior de todas é a certeza de que o outro não pode mudar, se transformar. Essa síndrome de Gabriela (observado em pessoas que acreditam que não precisam mudar ou adaptar seu comportamento a situações que não lhe agradam) é exaustiva demais.
A função da clínica psicanalítica se constitui na escuta do desejo. O analista se põe a escutar as fantasias que o paciente não consegue dizer a ele mesmo. Costumo dizer que terapia é a escolha pela verdade pois, a partir do momento que o sujeito começa a falar, ele perde o direito dele mesmo mentir. E quando faz isso, o seu consciente o entrega, apontando as suas dores e os percurso do seu desejo.
Os homens são altamente marginalizados quando não correspondem a heteronormatividade imposta socialmente; não seja feminino, não chore, seja forte, viril, agressivo, pegador, e nunca e em hipótese alguma demostre sofrimento.
Cuidemos um dos outros, para que juntos possamos compreender que empatia não é apenas ser solidário com quem eu me identifico, pelo contrário, o nome disso é simpatia. O processo empático é poder se colocar no lugar justamente daquele que é diferente de mim.
A clínica da masculinidade, se é que existe uma, tem a função de juntar os cacos espalhados pelo chão dos cuidados que poderiam ter sido realizados e em diversos momentos alguém soltou a solene frase: “engole o choro menino, homem que é homem não chora!”
Colunista do Mês: Rafael Matias – Psicólogo Clínico – CRP 02/1903
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